No dia 7 de setembro de 1822, o então príncipe do Brasil D. Pedro de Alcântara, declarou, às margens do Rio Ipiranga, a Independência do Brasil de Portugal. A independência, foi declarada pelo colonizador. Os livros de história sempre abordaram os fatos dessa forma, preocupados apenas em informar o que aconteceu, sem ir além da visão eurocêntrica. Quase duzentos anos depois, começam a surgir as reflexões acerca da problemática da colonização e a imposição da modernidade. Surgem então, a partir das mazelas vividas até aqui, as críticas referentes a esses fatos. Iremos falar um pouco sobre isso abaixo.
Essa crítica pós-moderna começa a surgir ao perceber que, na tentativa de entender e tentar modificar problemas individuais e da sociedade, o enraizamento estrutural desses fez pensadores filósofos, sociólogos, antropólogos, estudiosos do comportamento humano e outros interessados em uma mudança de paradigma, no que diz respeito aos problemas econômicos, políticos, raciais, tecnológicos, educacionais e existenciais, voltarem no tempo e questionarem de onde vem essas raízes.
“A modernidade aparece quando a Europa se afirma como “centro” de uma história mundial que inaugura (...) O ano de 1492, segundo nossa tese central, é a data do “nascimento da modernidade”, embora sua gestação – como o feto – leve um tempo de crescimento intra-uterino. A modernidade originou-se nas cidades europeias medievais, livres, centros de enorme criatividade. Mas “nasceu” quando a Europa pôde se confrontar o seu “outro” e confrontá-lo, vencê-lo, violentá-lo; quando pôde se definir como um “ego” descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva da própria modernidade” (Dussel, 1993).
A ideia de ego e superioridade se afirmam na Europa, quando em 1637 Descartes afirma o “Penso, logo existo” em seu “Discurso sobre o Método”. A máxima cartesiana ecoa influentemente dentro do pensamento moderno e da modernidade européia, respaldando as ações contra as Alteridades colonizadas.
No que diz respeito ao Brasil, quando os portugueses aqui chegaram, encontraram os povos indígenas. Aos olhos dos colonizadores, eles eram a “civilização” e os povos indígenas, os “selvagens”, que deveriam ser controlados, ensinados a seus modos, domesticados, escravizados, catequisados e violentados. O povo europeu, que se intitulava melhor e mais evoluído, tinha como dever levar a modernidade à sua colônia e torná-la sua imagem e semelhança. A ideia de modernidade para eles, no entanto, envolvia a violência justificada pela civilidade, a dominação justificada pela soberania. A cultura, as terras, idiomas, etnia dos povos indígenas jamais foram levados em consideração, pelo contrário. A natureza e tudo o que foi encontrado aqui, era considerado ameaça e deveria ser destruído ou explorado. A evolução, do ponto de vista colonizador, era descartar ou invalidar o que não era conhecido, portanto, errado, e fazer com que o seu modo de vida fosse implementado.
É possível perceber, a partir desta perspectiva, porque hoje temos tantos problemas enquanto nação. A colonização, o não reconhecimento de nossas próprias raízes, a emancipação e ignorância educacionais no que diz respeito à nossa própria história contada pelos próprios povos originários, a falta de emancipação eurocêntrica, mas que, em contrapartida, se depara com a descolonização de uma existência sem identificação com as próprias raízes. Ao identificar todas essas questões, é possível mensurar o tamanho do abismo que nos separa de uma afirmação e existência autônomas, de um recomeço afirmado pela escrita histórica de uma estória em primeira pessoa, sem interferências externas.
Apesar do resultado parecer pessimista, podemos crer que se é possível identificar os problemas, é possível resolvê-los. A descolonização é uma realidade e o mundo como conhecemos está morrendo, mas o que vem depois disso?
No momento, é preciso desaprender. Reconhecer o problema, ficar com o problema, pensar sobre ele tempo o suficiente para que uma nova solução, completamente desidentificada com qualquer tentativa já feita, possa surgir. Precisamos do esvaziamento histórico como nação, mas tão importantes quanto as ações a nível nacional, são as individuais. O esvaziamento é, primeiramente, individual. É preciso se reconhecer em essência, ir à lugares internos nunca antes visitados, desconstruir padrões, crenças, uma vida inteira de conhecimentos e ações baseadas em repetições eurocentristas, para então a partir de um vazio existencial começar a preenchê-lo pela própria essência. Quando nos transformamos em nossa melhor versão, livre de todas as mazelas vividas, podemos fazer muito mais por nosso país. Podemos criar um novo futuro, livre, com a cara do Brasil que é seu por direito.
Cada membro da PHASE se compromete, individualmente e coletivamente, dia após dia, com o desenvolvimento individual e da comunidade, focando no autoconhecimento, na acessibilidade de seus serviços, na saúde holística e no apoio às causas que visam regenerar a nossa Terra.
Referências
DUSSEL, Enrique (1993). 1492: O encobrimento do outro: A origem do mito da modernidade. Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Ed. Vozes. Petrópolis, 1993.
ANDREOTTI, Vanessa, STEIN, Sharon, SIWEK, Dino, CARDOSO, Camilla, CAIKOVA, Tereza, PATAXÓ, Ubiracy, PITAGUARY, Benicio, PITAGUARY, Rosa, HUNI KUI, Ninawa, JIMMY, Elwood (2019). Sinalizando rumo a futuros decoloniais: observações pedagógicas e de pesquisa de campo.
DESCARTES, René (1637). O Discurso sobre o método. Tradução de Maria Ermantina Galvão e revisão da tradução de Monica Stahel. 3ª tiragem. Martins Fontes, 2001.
DIA da Independência (Brasil). IN: Wikipedia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Independ%C3%AAncia_(Brasil)>. Acesso em: 6 set. 2020.